Para Sergio Rial, País será ‘dos poucos a crescer mais de 2%’
Sérgio Rial passa a ocupar, a partir do ano que vem, duas cadeiras distintas. A de presidente do Santander Brasil e a de presidente do conselho da plataforma digital recém-adquirida pelo Grupo Santander: a Ebury, focada em pequenas e médias empresas, atuando principalmente na área de cambio, pagamentos e importação/exportação. Ela deve, inclusive, conforme explicou Rial à coluna, competir com o próprio Santander. “ É importante saber sentar em várias cadeiras e, mais relevante, trazer ao Brasil o que já existe no mundo todo. Aqui ainda fazemos comércio exterior por meio de cartas de crédito. O que traz custo para a pequena e média empresa”, explica o executivo.
Competição por competição, como vão sobreviver os bancos de varejo, cujo custo fixo é alto, frente aos bancos digitais? “Se a gente olha para o mundo, vê que existem grandes economias continentais que conseguem coexistir com o que eu chamo de banco múltiplo ou universal, com plataformas puramente digitais. Uma delas são os Estados Unidos. Não vi nenhum dos grandes bancos americanos desaparecer até agora. Continuam coexistindo em plataformas onde a revolução digital está acontecendo, talvez não em nível de consumidor. Na Índia se dá a mesma coisa. México e Rússia, idem. O Brasil é grande o suficiente pra que a gente possa conviver com esses vários modelos”, pondera.
Rial acrescenta que, no grave estado em que estão as contas públicas, os integrantes da equipe econômica, capitaneada pelo ministro Paulo Guedes, têm sido realistas. “Qualquer processo de transformação começa a partir da realidade – e, por isso, quase sempre é desconfortável. Isso vale também para empresas. Lembro de um momento bastante ícone na sociedade americana, a crise de 2008, quando muitas empresas não julgavam estar em situação tão ruim. Assistimos o Estado americano intervindo nas estruturas de capitais inclusive de montadoras”. Algo antes impensável em um sistema econômico liberal. Aqui vão os principais trechos de uma longa conversa.
A realidade econômica do atual momento choca?
Sim e o primeiro grande passo rumo à mudança é começar a olhá-la como ela é. Estamos fazendo isso. E a realidade brasileira é ruim, temos que melhorar as contas, ir em busca do equilíbrio fiscal.
Entre os economistas e analistas apartidários, o diagnóstico é muito parecido. Mas como fazer o eleitor entender que antes de melhorar vai piorar? Explicar que o Brasil, do jeito como geriu suas contas nos últimos anos, levou a economia para o buraco? Explicar o que acontece para 11 milhões de desempregados?
São várias variáveis. Primeiro, é difícil explicar pra quem tá desempregado. Por outro lado, temos que ver que estamos com o menor nível de taxas de juros da história. Hoje o brasileiro pode financiar a casa própria pagando entre 7% e 8% no sistema financeiro, por 30 ou 35 anos. Isso não existia.
Mas, e o emprego?
O emprego, como conhecíamos no passado, vai mudar e ser criado, cada vez mais, por pequenas e médias empresas. As grandes, como víamos no século 20, não serão grandes geradoras de emprego.
Os conglomerados gigantes, que estão se formando por meio de fusões, não ajudam? Começam a se parecer com Estados ineficientes?
Não acredito. O capital humano passa por um processo de adaptação violento, devido à revolução tecnológica. As próprias universidades têm hoje um grande desafio, olhar pro seu currículo e se perguntar: estou formando para a sociedade pessoas e líderes de que ela necessita no futuro? Veja, cientistas e engenheiros de dados, profissões que não existiam em bancos alguns anos atrás, apareceram. Um radiologista com grande especialização vai aumentar exponencialmente, porque a inteligência artificial vai cuidar daquilo que era mais do generalista.
Nem tudo vai piorar, nem no Brasil?
O Brasil está com inflação abaixo de 3%, juros caindo em várias dimensões – o do consignado é um, o do crédito imobiliário, outro. Há muito a ser feito, a indústria financeira está ativa. Fizemos até uma autorregulação no cheque especial, que todo mundo sabe que não funciona. E temos de atuar em vários outros produtos.
Acha que em 2020 o Brasil cresce mais que em 2019?
Não tenho a menor dúvida. Não só vamos crescer mais que 2019 como vamos ser uma das poucas economias continentais podendo crescer acima de 2%. O mundo parou… A Europa, em particular. São 700 milhões de consumidores, ainda é uma grande potência econômica e com peso no globo. Mas tem desafios econômicos sérios. Já o Japão já não cresce há anos. A gente brinca que o mundo está se tornando um Japão, de certa forma.
Explica melhor?
Juros praticamente zero e negativos com baixo crescimento no Japão, 30% dos papéis no mundo hoje pagando taxas negativas. Mas isso ainda não se vê nos EUA e na China. Creio que o Brasil poderá crescer 2%. Vamos ser uma ilha…
O mundo está, politicamente, cada vez mais dividido e radicalizado. O sistema capitalista e a democracia estão naufragando?
É uma pergunta absolutamente legítima. Uma das raízes do problema, acredito, é o aumento da diferença entre o topo da pirâmide e sua base, fato muito ruim. Por outro lado, acredito que o capitalismo continua sendo o melhor modelo econômico porque ele privilegia o indivíduo e eu acredito no indivíduo no comando das suas decisões.
Essa diferença cresceu nas últimas décadas, e não só em países em desenvolvimento. O que deu errado?
Estamos, primeiramente, muito presos a uma nomenclatura do século 20. O que chamam de capitalismo eu chamo de iniciativa individual privada de alguém poder empreender. O modelo anterior de Estado forte, que tinha, entre outros papéis, o do desenvolvimento econômico, de investidor, claramente não deu certo em quase todas as sociedades.
Na grande maioria, né?
Na maioria. Há exceções, como alguns países da Escandinávia. Mas, na maior parte das tentativas, o Estado investidor tem sido menos eficiente do que o indivíduo. Agora, deixar todo o planeta ou uma economia só na mão do indivíduo também não funciona.
Fazer o que, então?
Estamos passando por um processo de reequilíbrio, redesenho, privilegiando cada vez mais o indivíduo como empreendedor, dando-lhe condições de poder ir em busca do seu sonho. O Estado tem que permitir que o crescimento aconteça com a velocidade correta, assim evitando grandes desigualdades socioeconômicas.
O que quer dizer com isso?
Que todos devemos receber educação, ter acesso à educação. Todos devemos ter acesso à saúde, às condições humanas. Não podemos admitir pessoas passando frio, passando fome. Essas são obrigações mínimas de todos nós como sociedade, não só do Estado.
Estados, como já se disse, são bastante ineficientes. Mas a sociedade, que paga impostos, deve também assumir obrigações que legalmente seriam dos Estados? Qual exatamente é o papel da sociedade?
As eleições continuam sendo a melhor forma de decisão do futuro de uma nação. Nós, seres humanos, estamos cada vez mais olhando para um planeta em que o indivíduo empreendedor passa a ter um papel cada vez mais importante. Mas lembro aqui que empreender é muito difícil. A gente fala essa palavra de maneira muito simples. Não é fácil, a grande maioria dos que empreendem acaba não tendo sucesso.
Por quê?
Junto com o empreender tem que haver condições que propiciem o sucesso: aprendizado, educação financeira, as próprias instituições ou plataformas financeiras fomentando a adoção de risco. E pararmos de demonizar o fracasso, entender que o fracasso faz parte do processo de aprendizado, desde que ele obviamente não seja feito de forma irresponsável. Essas são competências que a sociedade tem que absolutamente adquirir e continuar desenvolvendo. E na questão da democracia as eleições ainda continuam sendo o melhor instrumento e nós devemos votar.
Como a tecnologia impacta no atual momento do mundo?
Temos hoje uma revolução tecnológica, grandes plataformas que trouxeram outros benefícios. Primeiro, a disseminação de informação. Segundo, a proximidade do planeta a qualquer cidadão, não importa onde ele esteja. E terceiro, infelizmente, a propagação da mentira.
Acredita que esse é um dos grandes desafios?
Deste século, sim dado o volume de informação. Temos de conseguir, como sociedade, ver o que é conhecimento de informação, mantermos uma sociedade focada. Dados científicos são os que prevalecem, acredito que este é o século da transformação e da revolução na medicina. Essa geração vai cruzar a barreira dos 100 anos, reforçando a teoria de Darwin.
A sociedade, por meio da mídia social, tem revalidado mentiras?
Dizer que o Holocausto não aconteceu é basicamente criar o ambiente para que ele volte a acontecer. A Terra não é plana, é redonda. Então existem eventos provados em séculos anteriores. Precisamos avançar, com equilíbrio, valorizando a ciência, valorizando todas as crenças. Elas não são de forma alguma opositoras ao processo científico. Temos que defender o direito ter uma opinião e não confundir isso com a certeza de que aquela opinião seja uma verdade.
A tecnologia distancia as pessoas em lugar de uni-las?
Nosso grande desafio, como seres humanos, é não nos tornarmos preguiçosos cognitivamente. Quer dizer, hoje temos uma tendência a não investir mais de “X” segundos ou minutos num determinado texto. A ausência da reflexão pode fazer com que todos nos tornemos preguiçosos. E a preguiça mental é uma grande ameaça a tudo, porque nós nos tornamos muito vulneráveis à absorção daquilo que não é verdadeiro, daquilo que não recebeu uma reflexão correta. Mundo raso é um mundo em que vai faltar oxigênio.
Fonte: Estadão